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Mudança inspira medo, mas também pode exalar esperança.
Se passado fosse bom, era presente.
Por Eleonora Santa Rosa*
Sou fã de carteirinha do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, que, aos 90 anos, continua ativo e responsável por conceitos inovadores (provocadores) e obras fundamentais .
Por esses dias, o querido professor, lançou um novo livro Babel — Entre a incerteza e a esperança, que ainda não li, mas gostei da denominação pra lá de adequada aos tempos que vivemos.
Uma das pedras de toque é a ideia da imortalidade da esperança em meio ao turbilhão de inseguranças e transformações.
Esta junção de extrema felicidade, poética e verdadeira até a medula, e me calou fundo por tudo aquilo que significa no nosso contexto atual, pleno de incertezas entre o que foi e não é mais e aquilo que será mas não é ainda.
Se passado fosse bom, era presente. No rastro do atual presente mutável, líquido (para lembrar um conceito chave de Bauman), que reluta à solidez e ao compromisso, vem chegando, furiosamente, o futuro, cuja face, em tempos tão instáveis, revela desafios de entendimento e inserção sequer prenunciados.
O sentimento de fragilidade e despertencimento, que a muitos atormenta e atinge, conecta-se, dentre outros, à queda das certezas absolutas, à crise de valores e crenças, à mudança drástica de padrão de consumo, ao desemprego advindo da finitude de oportunidades de um mercado em decadência, à falência do Estado provedor, à obsolescência programada. Todo esse caldo é engrossado pelo medo crescente, xenófobo, discricionário e violento, que busca insensata e insensivelmente culpados e promove expurgos em escalas abismais.
Resultado de um cenário tão desolador é a emersão de próceres de direita e outras figuras de estatura menor, de fanáticos de diversos matizes religiosos e políticos, de massas ignaras, de ambientes pródigos de delação, censura, persecução e autoritarismo.
Mudança inspira medo, mas também pode exalar esperança, bafejo de liberdade de escolha, de exercício de livre arbítrio, de errar, reparar, começar e seguir o caminho.
Não se encontra fácil à estrada de Damasco, périplo pedregoso e corajoso que exige de seus peregrinos doses incontestes de crença na descrença, de sabedoria na ignorância, de integridade em meio à cooptação. Nada acima ou abaixo do possível, nada de culpa demonizada ou pretensa santidade, apenas e tão-somente o exercício da busca individual, humana, plena de dúvidas, repleta de generoso sentimento de respeito a si próprio e, por conseguinte, ao outro.
Retomando as lúcidas e calejadas palavras do mestre nonagenário: “o que nos mantém vivos é a imortalidade da esperança”. Salve, Bauman!
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