quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Inevitável mundo novo

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Existe uma razão para o cérebro operar da forma que opera.
Nossa capacidade de tomada de decisões muitas vezes é bem menos autônoma do que imaginamos.
Nossa capacidade de tomada de decisões muitas vezes é bem menos autônoma do que imaginamos.

Por Alexandre Kawakami*
Apesar de muito de nossa civilização ser construído na premissa da liberdade da vontade, fato é que o conceito tem sido superavaliado já a algum tempo.

Estudos recentes de economia comportamental e neurofisiologia demonstram que nossa capacidade de tomada de decisões muitas vezes é bem menos autônoma do que imaginamos ou queremos. Nosso cérebro é propenso à inércia, somos adversos a riscos mas temos dificuldade em avaliar estes riscos de forma imparcial. Essas características são chamadas, no jargão científico, de “biases de comportamento”.

Para ilustrar um desses “biases”, se investimos tempo e recurso para atingir um objetivo, nosso cérebro tende a tentar nos convencer que vale a pena continuarmos investindo, ainda que o objetivo tenha mudado, nossas prioridades tenham mudado, ou seja impossível alcançar este objetivo, por mais que continuemos a investir. Isso porque é mais custoso para o cérebro avaliar suas prioridades do que agir automaticamente em atividades às quais já está acostumado.

Assim, se nos convencemos, por exemplo, de que uma de nossas prioridades é trocar o carro anualmente, é mais fácil para o cérebro considerar que nossos ganhos não são afetados pela crise e que um carro novo é a marca de nosso sucesso do que reavaliar esta prioridade, repensar os períodos de troca ou até mesmo calcular o preço de usar-se um táxi ou Uber ao invés de pagarmos por combustível, estacionamento, manutenção, etc.

Levando-se em consideração estas tendências de nosso mecanismo de escolhas, o formato moderno do que chamamos de propaganda mudou de forma radical. A velha propaganda buscava inspirar escolhas. A nova busca faz delas uma extensão natural dos hábitos dos tomadores de decisão. Há espaço para as duas, mas talvez a segunda seja mais científica.

Alguns de meus leitores podem achar que o mecanismo que descrevo seja resultado de um sistema capitalista perverso e opressor. Mas fato é que os mesmos mecanismos são uma extensão natural de nossa compreensão de nós mesmos e de como agimos. E é tão usada na política quanto no consumo.

O fato do mercado ser mais rápido do que o governo decorre também deste fato: inovações tecnológicas mudam a realidade mais rapidamente do que o governo é capaz de percebê-la. Isso, quando consegue. E ainda que consiga, suas formas de intervenção, quando existem, são concebidas e implantadas de forma pobre.

No caso da compreensão de nossos mecanismos de tomada de decisão, é bem possível que governos jamais sejam capazes de interferir na forma como são usados, e é certamente preocupante que o façam de alguma forma. Isso porque governos são notoriamente famosos por causar mais danos do que benesses ao interferir na vida alheia.

Mais eficiente seria deixar que obtenhamos o máximo possível de conhecimento sobre nós mesmos. Primeiramente porque uma estrutura social onde existe uma desproporção de conhecimento entre uma parte da população e outra é inevitável. Em segundo lugar, porque obstar esta situação de fato a partir de um argumento ético ignora o fato de que a alternativa a esta situação pode ser menos ética ainda.

Existe uma razão para o cérebro operar da forma que opera: a economia de recursos feita pelo órgão permite que nos especializemos e dediquemos atenção e esforço a temas que nos são particulares e onde podemos obter mais de nossos talentos e dedicação. É essa especialização que nos permite, em conjunto, conhecer mais do universo e interagir de forma mais eficiente dentro dele.

Este mundo novo desafiará os princípios que norteiam nossa sociedade? Não. Ele já o desafiou e ultrapassou, já faz tempo.

*Alexandre Kawakami é professor de Direito Empresarial e membro fundador do Centro de Compliance e Transparência da Escola de Direito Dom Helder Câmara. Agraciado com o Prêmio Friedrich Hayek de Ensaios da Mont Pelerin Society, em Tóquio, por pesquisa no tema Escolhas Públicas e Livre Comércio. É advogado e consultor em Finanças Corporativas.

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