Quando interessará aos homens discutir a dominação masculina?
Por Nei Alberto Pies*
Sou solidário às lutas feministas. Além de solidariedade, quero dividir convicção de que o conhecimento, a valorização e a participação ativa na vida da sociedade são as mais importantes ferramentas para enfrentar a discriminação e a violência a que são injustamente submetidas mulheres do Brasil e do mundo.
Masculino sou. Machista me torno
Certo dia, numa atividade educativa, uma estudante me interpelou perguntando: “professor, o senhor falou tão bem das relações respeitosas entre homem e mulher. O senhor é machista?”. E eu respondi, tornando para mim a resposta como uma aprendizagem, recém descoberta: “sou machista, sim, pois vivo e convivo numa cultura machista. Se lhe dissesse que não, estaria dizendo uma inverdade; sou daqueles poucos que procuro me assumir para me corrigir.
Desde então, quando dialogo com alguém o tema “Relações de Gênero”, tomo esta aprendizagem como uma referência para a disposição masculina de corroborar com as lutas feministas. Não acredito que alguém mude seu posicionamento sem antes assumir a condição histórico-social em que esteja envolvido. Se o machismo não for assumido pelos homens, não haverá sinalização de mudança de pensamentos, atitudes e ações que enfrentem os problemas decorrentes deste.
Mulheres “perigosas” quando organizadas
Em duas oportunidades ímpares, colaborei, de forma orgânica e sistemática, com processos de formação e organização de mulheres.
Ajudei a coordenar Campanha de Superação da Violência contra a Mulher e de afirmação de seus direitos, num município do interior gaúcho, onde pude verificar a “ânsia represada” das mulheres daquela localidade na temática “dominação masculina”. Imagino, não seja privilégio daquele lugar. Como único homem (masculino) presente em todos os 12 encontros de formação e organização, recolhi ressentimentos, queixas, medos, constrangimentos.
A experiência vivenciada me remeteu ao pensamento de Aldous Huxley: "os fatos não deixam de existir porque são ignorados”. Sim, o fato que ignoramos é que nós homens gostaríamos de continuar “dominando as mulheres”, controlando sua ascensão social, sua sexualidade, seus sentimentos, suas atitudes, suas ideias.
Ajudei a coordenar equipe multidisciplinar de um Projeto do governo federal, em parceria com o município de Passo Fundo, Mulheres da Paz. O projeto foi executado pela Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo. Num trabalho de um pouco mais de um ano, envolvendo organização, formação e atividades sociais com mulheres vítimas de violência doméstica, pude testemunhar o quanto ainda falta apoio, incentivo e segurança para que as mulheres possam denunciar, com segurança, as agressões e a violência que sofrem, cotidianamente.
Não suportando mais serem espancadas, maltratadas e inferiorizadas, exigem dignidade e dizem Basta à violência. Mas, por outro lado, empodeiradas de conhecimento e organização, tornaram-se “mulheres temidas e perigosas” aos olhos da sociedade que ainda não se assume machista.
Quando interessará aos homens discutir a dominação masculina?
Às mulheres interessa há muito tempo enfrentar o tema da dominação masculina. Quando este assunto interessará a nós homens? Assim diziam as mulheres na Campanha: “mas quando a gente conversará isto com os nossos maridos, os pais de nossos filhos. Eles é que deveriam estar ouvindo sobre os direitos da mulher e não a gente”. E a reação dos homens não tardou para chegar aos nossos ouvidos: “só estão ensinando às mulheres os direitos. Cadê os deveres?”
O que os homens ignoram, em relação às mulheres, é que cada direito já traz implícito também os deveres. Quando insistem que mulheres só têm direitos, expressam, tão somente, a vontade de perpetuar a dominação masculina.
Rose Marie Muraro, feminista e estudiosa do assunto, diz que “nas sociedades de caça iniciam-se as relações de força, e o masculino que passa a ser o gênero predominante, vem a se tornar hegemônico no período histórico – há oito mil anos-, quando destina a si o domínio público e à mulher, o privado”. Esta ideia, que se tornou histórica, não pode ser eterna.
O que as mulheres gostariam de construir conosco (os homens) são relações mais respeitosas, mais compartilhadas, complementares e que trouxessem, na prática, mais oportunidades para o cuidado consigo mesmas, para a sua valorização, para o respeito de sua dignidade, para a sua felicidade.
Sou solidário às lutas feministas. Além de solidariedade, quero dividir convicção de que o conhecimento, a valorização e a participação ativa na vida da sociedade são as mais importantes ferramentas para enfrentar a discriminação e a violência a que são injustamente submetidas mulheres do Brasil e do mundo.
*Nei Alberto Pies é professor, escritor e ativista de direitos humanos.
http://www.revistamissoes.org.br/2017/03/em-homenagem-as-mulheres-assumamos-somos-machistas/
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